Artigo: Saiba um pouco sobre o que é a reprodução assistida

José Rafael Solano Durán
Sacerdote da Arquidiocese de Londrina – PR
PhD em Teologia Moral




Em 1960, cientistas precisaram resolver problemas de infertilidade tubária, com isso foi constatada uma barreira para a FIV (Fertilização in Vitro) e TE (Transferência de Embriões em Humanos) em seres humanos, porque na coleta de óvulos ficou evidenciado que estes não estavam maduros para serem fertilizados no laboratório.

Então eles maturaram os óvulos em mulheres, as quais receberam Gonadotrofina Coriônica Humana, HCG, assimilando se assim ao processo natural. Essa técnica ficou denominada de laparoscopia.

Durante a fase de desenvolvimento da FIV e da TE em humanos, ocorreram várias modificações técnicas em animais como transferência adiantada de embrião, redução de número de espermatozoides usados na fertilização dentre outros.

Isso possibilitou um tratamento significativo para casais inférteis. O aumento da RA (Reprodução Assistida) já é reconhecido em outras áreas como por exemplo no estudo do câncer e da evolução humana.

1. Geração proveta: 1ª e 2ª fase

O primeiro bebê de proveta do mundo foi a inglesa Louise Brown. Ela nasceu no Hospital Geral de Oldhan, no dia 25 de julho de 1978, tornando o que antes era ficção cientifica uma realidade. No Brasil, a primeira bebê de proveta foi Anna Paula Caldeira, ela nasceu no dia 07 de outubro de 1984, sua mãe tinha outros quatro filhos, mas, em seu segundo casamento, não conseguia mais engravidar. Foi então que procurou o ginecologista Milton Nakamura, sendo este o pioneiro da fertilização in vitro no Brasil.

Anna nasceu saudável, sem complicações do procedimento, no entanto, a Reprodução Assistida (RA) na década de 70 estava cada vez mais visível, devido à quantidade de gêmeos que estavam aparecendo. O fato é que os médicos costumam implantar vários embriões para ter mais êxito no tratamento, em consequência disso, estavam ocorrendo múltiplas gestações, bem como nascimentos de bebês prematuros e sequelas neurológicas. Posteriormente, o CFM (Conselho Federal de Medicina) limitou a quantidade de embriões a serem plantados, sendo no máximo 4 embriões por fecundação.

Com esse feito, a reprodução assistida passou a ser objeto de discussão de “diversos conflitos éticos, antes impossíveis com a reprodução natural. Os principais conflitos discutidos à época e nos dias de hoje dizem respeito à manipulação, criopreservação (congelamento de gametas e embriões), doação e descarte de gametas e embriões, cessão de útero (“barriga de aluguel”), sexagem embrionária (técnicas de seleção do sexo do embrião), redução embrionária (procedimento de retirada de embriões do útero materno, geralmente utilizado com o objetivo de evitar gestações múltiplas), reprodução post mortem (quando ocorre utilização de gametas previamente estocados ou embriões de uma pessoa falecida), e, mais recentemente, o direito de casais homoafetivos à reprodução assistida” (LEITE, 2019).

A segunda fase começa 50 (cinquenta) anos depois, quando a clínica Fertility Institutes, de Los Angeles, anuncia o nascimento do primeiro bebê com fenótipo escolhido pelos pais, bem como o sexo do bebê. Esse procedimento ficou conhecido vulgarmente como seleção cosmética. A técnica denominada de pré-implantação de diagnóstico genético (PGD) consiste na retirada de uma célula de um embrião, o qual foi criteriosamente selecionado, ou seja, ele possui as características físicas desejadas. Essa nova técnica teve a patente no valor de oito milhões e cinco mil reais, de acordo com Darnovsky[1] “essa patente pode encorajar a ideia perigosa de que a ciência deveria ser usada para criar pessoas ‘melhores’, reavivando o espectro da eugenia”.

No Brasil, de acordo com a Resolução de n° 2.168/2017, o Conselho Federal de Medicina (CFM) veda a pré-implantação; a única permissão seria realizar uma análise genética do embrião em estágio de blastocisto, em casos de doenças genéticas ligadas ao sexo, inferindo de certa forma na identificação do sexo do lactante. Neste caso, os genitores podem escolher não pelo fato do sexo, mas de decidirem se aceitam ou não o bebê com uma doença genética. As mais comuns são: síndrome do X frágil (doença mental em ambos os sexos), hemofilia (dificuldades na coagulação sanguínea – homens) e microdeleção do cromossomo Y (infertilidade masculina).

Obviamente, essa técnica foi criticada. Especialistas como Gillian Lockwood[2] e Josephine Quintavalle[3] questionam sobre a moralidade de utilizar a ciência desta maneira e ainda como isso ocultaria a ideia principal desta tecnologia, que é proteger a prole das doenças hereditárias dos genitores.

2. Bebê geneticamente modificado: 3ª fase

Em novembro de 2018 – nota-se que em menos de dez anos a 3ª fase se inicia [aqui se faz uma comparação a revolução industrial que com os avanços das tecnologias, o desenvolvimento de uma fase a outra ficavam com um lapso de tempo cada vez mais reduzido] – o (ex) cientista He Jiankui foi o responsável por modificar genes de embriões humanos pela técnica conhecida como CRISPR (Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas), isso possibilitou um avanço na área de engenharia genética.

Apesar de anunciar seu feito, ele não publicou o artigo e deixou em sigilo as pessoas envolvidas. Essa técnica permitiu que o (ex) cientista pudesse modificar o gene CCR5 no DNA das gêmeas, carinhosamente apelidadas por ele como lulu e nana, para resistir ao vírus de doenças sexualmente transmissíveis, pois o seu genitor é soropositivo.

Apesar de fortes críticas sobre seus atos, que foram considerados como repulsivo pelos demais cientistas, em defesa o (ex) geneticista alega que “Não se trata de criar bebês de design, apenas uma criança saudável. […]. melhorar a inteligência, mudar a cor de olhos, a aparecia, nem nada similar. Não se trata disso”. Ele finaliza dizendo que essa técnica “pode ser a única maneira de curar algumas doenças”.

No dia 28 de novembro de 2018, o pesquisador Lluís Montoliu, do Centro Nacional de Biotecnologia e presidente fundador da Sociedade Internacional para as Tecnologias Transgênicas, fez uma entrevista para o jornalista Manuel Ansende, do El País. Ele informou que utilizar a técnica CRISPR na China, não foi para curar uma doença hereditária, os embriões eram saudáveis. Para ele tudo não passou de uma suposta tentativa de melhora genética da espécie humana.

Em relação à ética com os diferentes códigos genéticos nas células dos bebês, pode ser que daqui a algumas décadas elas poderiam desenvolver uma doença autoimune e o impacto bioético vai além delas, pois poderão transmitir às suas proles.

Em dezembro de 2019, o ex cientista He Jiankui foi sentenciado pelo tribunal de Shenzhen, situado na China, a 3 (três) anos de prisão e multa no valor de três milhões yuanes (R$ 1,7 mi). Dois funcionários dele que participaram do procedimento, Zhangi Renli e Qin Jinzhou, também foram condenados.

Nota-se que apesar disso o desenvolvimento da competência biotecnocientífica parece ser uma necessidade para a sobrevivência humana, para qualidade de vida das gerações futuras. Sendo pouco provável que as sociedades renunciem os benefícios da engenharia genética, não levando em consideração as consequências incalculáveis e ao mesmo tempo as consequências que vão contra a ética e moral.

3. Situações que atingem a vida na sua integridade

Vimos que os desenvolvimentos médicos e científicos podem contribuir cada vez mais com um maior progresso na procura de ajudar e solucionar problemas nunca imaginados na espécie humana. Só que, assim como o fundamentalismo religioso acaba com a possibilidade de diálogo com a ciência; o absolutismo científico nega a dignidade da pessoa e acaba colocando o ser humano como meio e finalidade das suas pesquisas. Por maiores que possam ser as descobertas em relação à genética, toda manipulação e modificação embrionária atinge a dignidade da pessoa, que lhe é conferida pelo próprio Deus desde o momento da concepção. Todo tipo de inseminação artificial constitui uma agressão ao ser humano integral e único; assim como também irrompe no projeto livre e transcendente da ação direta de Deus sobre todos nós.

A fecundação in vitro não respondeu aos anseios da fertilidade e sim tristemente ao processo eugênico; isto quer dizer a um processo de manipulação e invasão direta sobre o material genético do casal.

Desde a Humanae Vitae até a Evangelium Vitae, a Igreja sempre tem defendido e amparado o embrião humano como pessoa e manterá a sua profética atitude de impedir que embriões sejam congelados ou separados para obter resultados de seleção. Cabe a nós proclamar e tutelar a vida do embrião no processo natural.



[1] Marcy Darnovsky além de ser diretora executiva do Centro para genética e Sociedade possui PhD, fala e escreve amplamente sobre as políticas da biotecnologia humana, focando em suas implicações de justiça social e interesse público. Seus artigos foram publicados no The New York Times, Nature, The Guardian, Los Angeles Times, Wall Street Journal, Harvard Law and Policy Review, Democracy, New Scientist e muitos outros. Ela já apareceu em dezenas de programas de televisão, rádio e notícias on-line e foi entrevistada e citada em centenas de artigos de notícias e revistas. Ela trabalhou como organizadora e advogada em diversos movimentos políticos ambientais e progressistas, e ministrou cursos na Sonoma State University e na California State University East Bay. Seu Ph.D. é do programa História da Consciência da Universidade da Califórnia, Santa Cruz. Disponível em: https://www.geneticsandsociety.org/user/25.

[2] Especialista em fertilidade e integrante do comitê ético do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists e diretora médica da Midland Fertility Services em West Midlands, uma clínica independente que fornece mais de 900 ciclos de fertilização in vitro e ICSI por ano para o NHS e pacientes particulares. Ela tem um interesse especial na infertilidade relacionada à idade e é defensora do “congelamento social de óvulos” para dar às mulheres mais velhas a chance de ter uma maternidade genética. Disponível em: https://ivf-worldwide.com/advisory-board-members/240-lockwood-gillian80.html.

[3] Fundadora da organização Comment on Reproductive Ethics, um grupo de interesse público pró-vida focado especificamente em questões relacionadas à reprodução humana. O objetivo é facilitar o debate informado e equilibrado, envolver os leigos em discussões mais amplas, incentivar uma maior participação de filósofos, teólogos e cientistas sociais e, quando necessário, promover mudanças e reformas democráticas na legislação que controla essas práticas. Beneficia da consultoria especializada de um conselho consultivo acadêmico ad-hoc. Disponível em: https://socialtrendsinstitute.org/experts/all/josephine-quintavalle.

Autor: Pastoral Familiar

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2 Comentários

  1. Olá, sabemos que existem muitos casais que sonham em ter filhos e não podem. Gostaria de sugerir um artigo que nos fale o porquê da igreja não concordar com a inseminação artificial nesses casos, sem manipulação genética, ou escolha de características, mas apenas um auxílio para aqueles casais que não conseguem conceber naturalmente, com o uso da técnica em que colocam os espermatozoides no útero, quando a mulher está fértil. E por fim, gostaria de ressaltar o termo lactante usado no contexto pós concepção… o mesmo não se refere a bebês na fase de amamentação?

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    • Olá, Vanessa! Agradecemos o seu contato. Vamos propor a pauta para um artigo ou pelo menos uma notícia. Sobre a questão do termo “lactante”, realmente ele está empregado de forma equivocada.

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